26 gen 2009

Faça do seu psicanalista um escritor.

“Si lo cuento es para que usted lo escriba, porque así no lo desperdicio y un poco para desahogarme, por eso hablo con usted, que no se escandaliza de nada, como es natural, y me resulta cómodo. Pero no para que me cure, eso ni por las entretelas del cerebro se me pasa, porque la vida, doctora, no tiene cura.”
Martin Gaite, Nubosidad Variable



De fantasiosos que eles/as já são a literatos que poderão vir a ser.

Problema

Existe um problema, um problema constituído por vários pontos distribuídos no tempo e no espaço; um problema vivo e vivido e que por isso mesmo é muito difícil de ser colocado em uma explicação.

***

Como ele agencia os próprios afetos? Pois todo investimento cria uma rede. Toda pessoa condensa seus próprios pontos, constrói suas intersecções. Como funciona aquilo que o faz desejar tal e tal coisa? Como ele lapida o próprio desejo? Como o desejo o lapida?

Não me dou respostas, mas faço perguntas que cada vez mais me aproximam daquilo que eu realmente quero perguntar, como se a resposta da pergunta fosse, afinal, uma pergunta melhor feita, com mais de mim, como se ela fosse a teoria da pergunta ou a pergunta como teoria.

Petit Matin

Ele acordou e eu acordei com ele. Ele levantou e disse que tomaria banho, mas foi tomar café. Eu levantei logo depois, fui até a geladeira. Ele sentado comendo diz que gosta de mim quando acordo, eu esboço um ruído qualquer. Pego o cereal, o iogurte, o kiwi. Sento. Não olho para ele e sim para a janela; ele acaba de comer, levanta e não me beija.
Eu sei eu sei que ele me ama. A culpa não é dele, ele tenta fazer o melhor. Eu não penso nada. Beijo na nuca, ele coloca as mãos nos meus ombros. Acho que ele quer tomar banho, mas também mostrar que me ama. “Ainda estou com fome”.
Depois de comer o pão, beijo no pescoço. Não olho para ele, não tenho o que dizer. Será o fim? O que eu sinto? Eu o amo? Ele me deixa sozinha. Será que ele me deixa sozinha? Ele sai do banheiro, entra no quarto e senta na cama. Eu de costas para ele. Sinto-o, como a lembrança de alguém que não está mais presente. Ele não existe. Entretanto não quero ser indelicada, quero mostrar que o amo, não fazer drama. Volto-me e o encaro; não consigo sorrir, nem pensar em algo para dizer. Meu deus! não quero que ele pense que não o amo.
Ontem: “se você tiver algum problema, você me fala?” “mas nem sempre que eu tenho um problema eu sei que tenho um problema. O problema é esse.” Qual será o problema agora? Ele pergunta se vou ao jantar dos amigos com ele. Digo que não, faz frio. Ele diz que o aquecedor estará ligado, que haverá muita gente no mesmo quarto, que tudo isso mais o vapor da comida cozinhando vai fazer com que o ambiente fique mais quente. Ele quer que eu vá. Será que eu quero ir? Será que eu quero vê-lo? E aos amigos? Será que é ele os problema ou sou eu?Olho para o rosto dele, ele me ama, está tentando criar um vínculo, me deixar feliz. Sabe que alguma coisa não está bem.
Talvez eu não queira mesmo ir ao jantar. E se eu estiver de mau-humor? Não vou querer falar, e se eu vestir minha cara de deprimida, vai ser ridículo. Mas pode ser bom, pode ser que eu me divirta; lembro que a última vez que saímos, os amigos dele me agradaram muito. Mas será que hoje eles me agradarão? Porque se tudo está diferente, isso também pode estar. “Espero que você venha” Beijo, beijo, abraço, beijo. Onde eu estou para receber esses carinhos? Se eu fecho os olhos, ele desaparece, como que apagado de um desenho. Ou será que fui que deixei de existir?

24 gen 2009

Eu-Gaiola II

Enquanto
eu não pulo,

O que pula
de mim?

E se eu pular,
o que de mim
vai ficar?

***

Onde é o chão
para onde eu quero ir?

Eu-Gaiola I

Onde onde onde
eu posso me esconder de mim

Como Como Como
destruir meu núcleo duro

Não escrevo porque (?)

Quero criação
Não fuga da morte.

***

Eu quero meu corpo de volta
que ele não se separe de mim
que ele não se misture em si
que meu pé não se sinta como mão
que ele não resfrie, não esquente
ter de volta o controle dos meus olhos
que as coisas tenham, normalmente,
foco.

***

Por que olho para a janela
Por que minha cabeça pensa
Por que comanda a minha vontade
Medo medo medo
da minha vontade
De, no fundo, não querer.

***

As coisa têm sentido
mas não têm ordem
eu quero um universo
sem fraturas.

****

Não existem palavras em mim

Não quero desenhar o que vejo
Quero desenhar o que penso
(ou como penso)

Mas meu pensamento é só névoa
De repente, não tenho nada a dizer

No entanto, quando me distancio
do papel, da caneta, do carvão
encontro um mundo, em mim,
todo povoado.

Resto do tempo, nada.
Como consegui criar um deserto
dentro de mim?

Entretanto, nele não reinam calma
nem tranquilidade. Lento amargor.
Porque dentro algo pulsa e incomoda o vazio,
alertando-o de que não é desejado.

Anseia por uma referência e reclama
contra a esterelidade.

Fuzilamento

Mesmo não o amando eu ainda o amo. Porque enquanto estamos deitados na cama, ele de cueca e eu só com a calça e as meias, mesmo pensando “acabou, acabou, acabou...” eu penso também nas cenas do filme que eu rodaria e que dedicaria à ele, cinema para tentar explicar o que estava acontecendo. Seria um longa autobiográfico. Um casal. O homem se parecia fisicamente com ele – branco, cabelos e olhos escuros – mas achei que a protagonista talvez devesse tender mais para o primeiro mundo. Talvez branca também, cabelos lisos. Não gostaria que fosse muito parecida comigo – óbvio demais.

Na cama eu ainda não havia pensado na primeira cena, mas uma delas, ao longo do filme, será de nós dois como estamos agora: deitados, o rosto dele muito perto do meu, eu só podendo ver o olho esquerdo dele. Tento memorizar bem a linha do seu rosto, ela separa o rosto dele do resto do mundo e do olho, o exterior se distancia por apenas alguns centímetros. Da parte convexa da linha ondulam alguns fios de cabelo, grossos. Baixo um pouco a vista e vejo muitas cobertas para nos proteger do frio. Ao movimentar um pouco o rosto sinto o gosto de lágrimas e por alguns segundos fico feliz pensando que ele chora, que notou algum problema. Mas logo percebo que as lágrimas são minhas, que choro baixo e silenciosamente, envergonhada. Quero decorar essa imagem porque penso em desenhá-la, mas penso também que ela será a cena do filme que farei – provavelmente uma cena da nossa vida que ele também não viu. Ele está com os olhos muito abertos, talvez um pouco frustrado por sempre chegar em casa feliz e disposto a me amar e jamais receber uma resposta positiva da minha parte, encontrando constantemente uma pessoa que vê problemas em tudo, insatisfeita. Eu sei que hoje ele queria ter feito amor. Convidou-me para deitar, fez massagem, beijos, beijos, beijos, tirou a camisa. Durante a massagem eu falei que tinha um amante. É verdade? E se fosse verdade, o que você faria? Eu ficaria triste. Você choraria? Não sei. E massagem, você faria a massagem? Não. Por quê, o que a massagem tem a ver com o fato de eu ter um amante? Eu perderia a vontade. Um, dois minutos. Eu não tenho um amante, pode se sentir seguro, tranqüilo, tranqüilo para trabalhar; enfim, pode me amar pois não tenho um amante. Mas que eu queria dizer é que para ele, como para todos os homens o amor depende disso: depende do quanto eu sou eu sou fiel e de quanto eu o deixo calmo para ele fazer as coisas que ele gosta – seja trabalhar na bolsa de valores, seja fazer arte ou filosofia. E ele: é mais o contrário, não é que eu te ame porque você não me trai, é que você não me trai porque eu te amo. E eu não disse, mas a questão, para variar, estava longe de ser essa. E eu tinha tanto, tanto para dizer: mas nós não tínhamos um relacionamento aberto, nós não aceitamos que é normal sentir desejo por outra pessoa, de que vale ter um relacionamento aberto com alguém que não vai te amar se você se atrair por outro. Mas o maior problema não chega nem a ser esse, porque o problema não é o relacionamento aberto. O problema é que o amante é o foco, o foco para decidir o continuar ou não continuar, para decidir o amor. Mas eu só disse: mas problema não é esse... No entento eu entendo, eu entendo que você me traia, afinal, estou muito ocupado com o trabalho, te deixo sempre sozinha. Me deixar sempre sozinha. E o foco é o trabalho. Porque se por um lado o meu problema não era o relacionamento aberto, pelo lado dele o foco não era o amante, nem o amor, mas o trabalho.

Eu tento balbuciar algumas palavras e, com medo de parecer ridícula, acabo parecendo infantil balbuciando frases mal formuladas cortadas por silêncios estúpidos. Eu estou de luto. Quem morreu? Ninguém morreu estou de luto pelo nosso relacionamento. Por quê? Porque eu sinto que ele vai terminar e que mesmo que eu ficasse aqui ele também terminaria. Por quê ele terminaria? Não sei. Você sabe. Eu acho... que não me agrada muito a maneira que você me ama, pra mim é como se o relacionamento já tivesse terminado. E eu não disse, mas é que ele me ama como um homem, eu sou um apêndice da vida dele: depois do trabalho, depois da carreira, ele quer me ver depois do trabalho, antes de ir ao trabalho fazemos sexo, não podemos patinar porque ele trabalha, ele quer dormir porque está cansado por causa do trabalho, ele me liga durante ou depois de haver terminado o trabalho. Ele se levanta para procurar a camisa, que ele veste, e o celular, que ele coloca para despertar cedo, pois deve trabalhar amanhã. Deita de novo, sem me tocar. Então o nosso relacionamento terminou? E eu digo que ele não entende nada, o que ele deve ter entendido como “você é burro” ao invés de pensar que existem muitas coisas que eu quero dizer, que eu quero resolver, que eu quero que nós sejamos. Como há alguns minutos quando ele ainda estava sendo carinhoso e me olhava com os olhinhos lindos e inocentes que ele têm, com um formato que eu ainda não consigo descrever. Ele piscava, piscava, piscava e pergunta o que você está pensando? Eu pensava em nós dois, em quanto o amava, em quanto me deprimia ter feito tantos planos, que eu estaria satisfeita se nós vivêssemos uma vidinha juntos, com uma casinha, com filhos, mas aí tem as aspirações dele, tem o trabalho, tem o exterior e porque eu não penso assim também, meu deus? Por que eu não desejo isso também? Por que para mim é tão fácil aceitar nada? Eu respondi: é muito complexo o que eu estou pensando. O que ele deve ter entendido por “você não vai entender porque é burro”. Mas ele não vai entender o que eu estava pensando, assim como não vai entender o que eu estou pensando, porque ele só entende as coisas do ponto de vista dele, que só tem vontade de ser algo, de ser artista, de ser reconhecido pelo trabalho. Não vai entender porque vai pensar que eu quero que ele desista de tudo para ficar comigo quando o que eu teria gostado é que ele não quisesse o que ele quer e que me quisesse.

Eu nem termino de pensar e ele já está dormindo. Suponhamos que ele tenha entendido tudo errado – que foi o que aconteceu – suponhamos que ele tivesse entendido eu ter dito “você é burro”. Creio que a reação não seria dormir. Mas eu esqueci que ele é um homem, é só um homem tem a capacidade de ficar na mesma cama que um inimigo. E ainda dormir tranquilamente. Eu tenho essa capacidade à custa de me metralhar inteira por dentro. Então esboço um choro rápido e profundo no escuro, aqueles que duram cinco segundos e cujas lágrimas nem chegam a escorrer, como soluçar para dentro. Levanto e vou ao banheiro acabou, acabou, acabou ...

Eu-Gaiola

As pessoas são como bestas
E Paris é menor que o quarto
no qual eu durmo.

Não serei amada como desejo
Porque não desejo sempre ser
amada do mesmo modo.

A vida está na cidade
ou sou eu que deveria
ser a vida da cidade?

Duvidando se é minha a culpa
ou se dos outros,
Caminho incriminando todos.

Sem talento, sem vontade,
Observo quem dorme
e não entendo como podem

Desejo que apenas meu olhar
os acorde.

***

Só me sinto estilhaçada
Porque sou uma unidade funda
Profunda e densa
de puro nada

Suis-je un génie?

"Mes parents me baptisèrent Salvador, comme mon frère. Ainsi que ce nom l'indique, j'étais destiné à sauver rien de moin que la Peinture du néant de l'art moderne (...) J'ai tant desiré vivre à une époque où il n'y aurait rien à sauver!"

Salvador Dalí



Qual é a diferença entre aquele que acredita ser um gênio e aquele que quer que os outros o considerem um gênio?